23 setembro 2008

Sem palavras...

19/09/2008
"Um dia sem perder sangue é um dia cheio de sonhos"

"Basta um atraso na menstruação para retermos o fôlego. Um dia sem perder sangue é um dia cheio de sonhos. Sentimo-nos atordoadas, enjoadas, ensonadas, com dores no peito, com incontinência na urina, tudo o que nos disseram que havia de nos acontecer se o nosso desejo mais vibrante de gravidez viesse a tornar-se realidade.

Quanto mais velhas somos, quanto mais tempo passamos a tentar, quanto mais tentativas falhadas já acumulamos, mais ardente se torna esse transe que, no entanto, no íntimo, já sabemos que é meio estúpido.

Cada vez que tentamos um tratamento novo, um novo truque, uma esperança teimosa arranja maneira de florescer no nosso coração, embora já devêssemos conhecer as limitações do jogo e ficar de cabeça fria até ao fim.

E aqueles que amamos cedem conosco. Também eles começam a sonhar. Começam a romancear. Depois chegam as más notícias, e todo este mundo tão lindo entra em colapso.

Onde ainda há minutos florescia um sentimento maravilhoso de plenitude, toma agora lugar um vazio devastador. Sentimos que não conseguimos dar nem mais um passo em frente. Detestamo-nos por termos voltado a embarcar da fantasia infantil que já nos tinha feito sofrer tantas vezes antes. E aqueles que amamos lançam-nos aquele olhar tão nosso conhecido, aquele olhar tão triste. Detestamo-nos. Sim, em momentos como esses era de muito boa vontade que nos escondêssemos dos olhos do público durante longos meses."

O trecho não-literal do prefácio que a escritora Clara Pinta Correia escreveu para um dos meus livros me veio novamente à memória. A intensidade das suas palavras dói. Talvez porque, lá no íntimo, encontram eco dentro da gente. Não se passa impune por um período menstrual quando estamos a tentar uma gravidez. Há momentos em que dói mais, há momentos em que dói menos e há outros em que a dor é visceral. O útero chora, a alma sangra. E não é apenas uma figura de linguagem. É real. Quem vive essa dor sabe do que estou falando.

Escrito por Cláudia Collucci

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